Ilegalidades nas concessões das auto-estradas

autoestradas.jpgEnquanto o Ministério das Obras Públicas promete mais portagens, a Estradas de Portugal perde 430 milhões de euros para as concessionárias no contrato de concessão das autoestradas Transmontana e Douro Litoral. O tribunal de contas fala de violações flagrantes à lei e considera que os contratos prejudicam gravemente o interesse público em favor das empresas Mota-Engil e Soares da Costa.

O Tribunal de Contas recusou o visto do contrato da concessão de duas autoestradas atribuídas à Soares da Costa (autoestrada Transmontana) e À Mota-Engil (autoestrada Douro Litoral). Em dois acórdãos questiona os processos de concessão por não defenderem o interesse público, levanta dúvidas legais sobre os contratos e critica duramente as justificações apresentadas pelas Estradas de Portugal. Em causa estão 430 milhões de euros.

A empresa pública Estradas de Portugal prescindiu de receber 430 milhões de euros em favor dos privados.

O Tribunal de Contas mostra “perplexidade” por o Estado ter prescindido de receber 430 milhões de euros da Soares da Costa e da Mota-Engil, com a adjudicação a estas duas empresas da construção e exploração das novas auto-estradas Transmontana e do Douro Litoral.

A revelação foi feita pelo Tribunal de Contas (TC) em dois acórdãos (n.º 160/2009 e n.º 161/2009) aprovados e publicados no início de Novembro, em que é recusado o visto prévio aos dois contratos destas subconcessões.

Os conselheiros do TC consideram que “este facto não pode deixar de suscitar perplexidade”, até porque não foi justificado pela Estradas de Portugal (EP), apesar das dúvidas levantadas pelo tribunal.

Estado perde milhões

O problema, revela o TC, é que o facto de a Soares da Costa (no concurso da Transmontana) e a Mota-Engil (na Douro Litoral) terem incluído nas suas propostas iniciais o pagamento à EP, respectivamente, de 230 e 200 milhões de euros, fez com que estas empresas obtivessem uma classificação melhor que as suas concorrentes, acabando por ser, por isso, seleccionadas para a fase final da negociação nos respectivos concursos. Mas a EP prescindiu depois desses valores, baseando-se em argumentos que não convenceram o TC: “A argumentação produzida, sobre a matéria, pela EP, não deixa de surpreender, dado emanar de um dos mais importantes donos de obra pública do País e contrariar quase duas décadas de doutrinação da CADA (Comissão de Acesso aos Documentos da Administração), sobre este assunto.”

A EP adjudicou portanto as obras, aceitando propostas finais destas empresas nas quais já não constava qualquer pagamento daquele tipo.

Tal como aconteceu na Auto-estrada Transmontana, também na subconcessão do Douro Interior há diferenças entre a proposta com que os concorrentes foram pontuados para passar à fase de negociações, e a propostas final com que ganharam o concurso, e receberam a adjudicação. O investimento total necessário para a construção da Douro Interior diminuiu 15,7 milhões de euros, e o esforço financeiro a ser pedido ao concedente aumentou 60 milhões de euros. E também não há lugar a pagamentos à cabeça, como surgiam na proposta inicial.

No caso da Auto-estrada Transmontana, o custo de construção passou de 577 para 508 milhões, e o valor actualizado líquido do esforço financeiro que iria ser pedido ao concedente passou de 460 para 539 milhões. No caso da Douro Interior, os custos de construção diminuíram de 762 milhões para 747, e o esforço financeiro pedido à EP passou de 696 para 757 milhões.

Estas diferenças, sublinha o Tribunal de Contas, violam o próprio caderno de encargos por traduzirem uma degradação das condições inicialmente oferecidas. E são uma das "ilegalidades" detectadas que justificam o chumbo.

Os pagamentos à cabeça que os concorrentes se propõem efectuar resultam de uma fórmula financeira em que, de alguma forma, se reequilibra a diferença entre aquilo que a concedente teria de pagar e aquilo que o concessionário teria de receber ao longo dos 30 anos de concessão.

Na fase da negociação das propostas, o esquema financeiro foi, no entanto, todo alterado. Na Trasmontana, a EP ficou obrigada a pagar mais 80 milhões de euros do que inicialmente previsto, e na Douro Interior a diferença salda-se em 60 milhões.

Fracos argumentos

Nas respostas enviadas ao tribunal, a EP justifica que "entre a primeira e a segunda fase do procedimento verificou-se uma significativa degradação do clima económico e financeiro decorrente da gravíssima e por todos sobejamente conhecida crise financeira global", e relembra que, em ambos os casos, os pagamentos finais acordados ficaram abaixo do que estava definido no estudo de viabilidade encomendado pelo Governo para cada uma das concessões. O TC responde que a argumentação da EP “desenvolve-se agora com a avaliação de quatro parâmetros: a redução dos bancos disponíveis para participar no programa; o aumento dos custos financeiros, margens e comissões; a redução dos prazos de financiamento; o aumento da componente de capitais próprios”. Mas considera que “a crise” e as suas consequência “não invalida a conclusão de que houve uma degradação das condições inicialmente propostas”, e que foram “violados os princípios que orientam a contratação pública”.

Almerindo Marques, presidente da Estradas de Portugal, diz que vai recorrer da decisão do Tribunal Constitucional. Segundo o jornal Sol, o Governo já terá dado indicação à EP para “lutar até ao fim” pela legalidade das concessões. Marcelo Rebelo de Sousa já veio apoiar o Governo e a EP, considerando que “as subconcessões adjudicadas pela EP não estão sujeitas a visto prévio”.

Almerindo Marques diz que a Estradas de Portugal “vai recorrer da decisão do Tribunal de Contas e depois se verá”.

Sobre a decisão do Tribunal de Contas, Almerindo Marques escusou-se a comentá-la, alegando limites deontológicos que não pode ultrapassar, reiterando novamente que o que "existe de facto, e que a deontologia permite dizer, é que há divergência de interpretação jurídica nas regras de decisão sobre o concurso".

O presidente da Estradas de Portugal garantiu ainda que as obras nas duas concessões "vão prosseguir com normalidade".

Entretanto o Ministério das Obras Públicas ameaça os utentes com mais portagens que consideram “inevitáveis”. “Nas regiões onde haja alternativas de acessibilidades, os custos de utilização dessas infra-estruturas terão de ser suportados pelo tráfego que circular”, disse fonte oficial do Ministério ao jornal Sol. O Governo quer também introduzir portagens em três SCUT em 2010 e espera “poupar” 100 milhões, mas à custa dos utilizadores, enquanto perde milhões com as concessões aos grandes grupos da construção: Mota-Engil e Soares da Costa.