Desclassificação da linha do Tua da rede ferroviária nacional
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O Diário da República de 30 de agosto de 2016 publica a Resolução de Conselho de Ministros (RCM) nº 47/2016 que aprovou três importantes decisões relativamente à linha ferroviária do Tua:

a)     “desclassificar da rede ferroviária nacional” os dois últimos troços da linha do Tua, suscetíveis de poderem ainda funcionar como infraestrutura ferroviária após a inundação de um troço de cerca de 20kms da mesma, que ficará submerso na sequência da conclusão da barragem de Foz Tua (nº 1);

b)     “determinar que a exploração, por razões históricas ou de interesse turístico do troço desclassificado (…) seja efetuada pelo operador que, no âmbito do projeto de mobilidade aprovado e em cooperação com as autarquias locais, se proponha fazê-lo” (nº 3);

c)     “determinar que a exploração do serviço público de transporte nos troços desclassificados cessa com a entrada em funcionamento do projeto de mobilidade referido no nº 3”.

Estas decisões são de uma gravidade extrema já que isso significa, por exemplo, que o Governo aprovou a supressão de uma linha ferroviária que, na lei, continua a fazer parte da rede ferroviária nacional, plasmada no DL nº 104/97 de 29 de abril. Igualmente, o Governo decidiu acabar com um serviço público de transporte ferroviário que, na prática, continua a ser prestado pela empresa Metro Ligeiro de Mirandela, em resultado de um acordo celebrado com a CP, e ao abrigo do disposto no DL nº 24/95, de 8 de fevereiro, nomeadamente “Artigo 1º - A exploração, no município de Mirandela, no troço Carvalhais-Cachão, em regime de exclusivo, é atribuída a uma sociedade anónima, de capitais exclusivamente públicos, a criar nos termos da lei comercial”.

Como o próprio preâmbulo da Resolução reconhece, este serviço de transporte ferroviário existe e funciona “no troço entre Cachão e Carvalhais (Mirandela)”. Naturalmente, a questão que surge será a de saber como se pode desclassificar uma linha sem acautelar as medidas indispensáveis à continuação de um serviço ferroviário de transporte em termos semelhantes aos que são praticados.

Mas, para as populações, o problema maior não serão, porventura, as questões legais que decorrem de uma decisão, no mínimo, pouco ponderada pelo atual Governo. O problema maior é o de um serviço público de transporte ferroviário que existia antes da construção da barragem, entre a Estação de Foz Tua e Mirandela, e que, nesta RCM, é pura e simplesmente ignorado. Aliás, esta decisão contraria expressamente a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) segundo a qual deveria ser analisada “a viabilidade da construção de um novo troço de linha férrea e garantir, desde a interrupção do serviço” (…) o transporte regular de passageiros entre a Estação de Foz Tua e o apeadeiro da Brunheda”.

Mais: o governo defende, em alternativa, um novo serviço de transporte, que deixará de ter características de transporte público e passará a ser enquadrável na categoria de um serviço de “interesse turístico e histórico” - autocarro, barco, comboio - ao longo da antiga linha ferroviária do Tua, entre Foz Tua-Mirandela (Carvalhais).

De facto, na sequencia de um concurso público sobre o plano de mobilidade do Tua (que ficou deserto), foi o operador turístico DOURO AZUL convidado a assumir a execução do plano por ajuste direto, já anunciou os seus projetos para a mobilidade no Tua, entre as quais se conta a exploração de um comboio histórico orientado para fins turísticos e não para a prestação de um serviço público ferroviário de transportes.

Mas, tanto quanto se sabe, não consta que a sociedade turística DOURO AZUL esteja legalmente capacitada para poder operar um serviço de transporte público em modo ferroviário, assim como prover à manutenção da infraestrutura e das demais condições de segurança à circulação de comboios numa linha ferroviária. Refira-se ainda que os serviços públicos de transporte de passageiros em modo fluvial, como rodoviários, apresentam igualmente condicionantes legais que não podem ser ignoradas. Para qualquer destes domínios de operação são indispensáveis alvarás específicos, pelo que se afiguram, no mínimo, bastante estranhos os anúncios sobre o tipo de comboios que vão circular na linha, a sua reabilitação e manutenção, bem como sobre o perfil do serviço de transportes a prestar entre Foz Tua e Mirandela.

Por fim, é no mínimo surpreendente que, quer os municípios da região, quer as entidades da administração publica com responsabilidades diretas no acompanhamento, gestão e fiscalização das infraestruturas e serviços públicos de transporte ferroviário - nomeadamente, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., e a Infraestruturas de Portugal, S.A. -, tenham “manifestado a sua concordância”. Atendendo às promessas e juras de fidelidade em defesa da linha ferroviária do Tua por parte de todos municípios de diferentes quadrantes políticos, do distrito de Bragança, e tendo por referência as questões técnicas e legais acima referidas, seria da mais elementar transparência da gestão pública conhecer os pareceres das diferentes entidades envolvidas, nomeadamente, dos municípios, da Metro Ligeiro de Mirandela, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes e das Infraestruturas de Portugal.   

Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, as seguintes perguntas:

1. Está o Ministério consciente do facto de, ao determinar a desclassificação da linha ferroviária do Tua nos troços ainda em funcionamento, está a decidir também a supressão de uma linha ferroviária que integrava a rede ferroviária nacional, o que contraria a legislação em vigor, nomeadamente a que dispõe sobre a composição das linhas e ramais integrantes da rede ferroviária nacional?

2.  Ao determinar a cessação “da exploração do serviço público de transporte nos troços desclassificados”, a RCM não se afigura que tenha acautelado a continuidade do serviço ferroviário de transporte público, em termos semelhantes àqueles que atualmente são praticados no troço Cachão-Carvalhais/Mirandela pela empresa pública Metro Ligeiro de Mirandela, conforme contrato de concessão realizado ao abrigo do DL nº 24/95, de 8 de fevereiro. Que medidas está o Governo disponível para adotar no sentido de assegurar a manutenção desse serviço público de transporte?

3. Está o Ministério consciente que a desclassificação da linha é, no imediato, contraditória com a manutenção de um serviço público de transportes em modo ferroviário, tal como este se encontra regulado pelo DL nº 24/95, de 8 de fevereiro, pois, nos termos do artigo 12º da Lei nº 10/90, de 17 de março, “a declaração de desclassificação implicará a cessação definitiva da exploração do serviço público de transporte ferroviário”?

4. Está o Governo em condições de assumir perante as populações do distrito de Bragança, as autarquias da região do Tua e as respetivas populações que, com esta decisão da desclassificação da linha do Tua, nos termos da Lei de Bases referida no número anterior, deixa de haver serviço público de transporte ferroviário na linha do Tua?

5. Está o Ministério em condições de assegurar que o operador turístico Douro Azul está legalmente capacitado para operar um transporte ferroviário, assegurar a manutenção da respetiva infraestrutura (em condições de segurança exigíveis pela legislação em vigor) e operar também em modo fluvial e rodoviário para um serviço de transporte público intermodal de passageiros, segundo padrões semelhantes a outros sistemas de transportes públicos existentes noutras regiões do país?

6. Foi o Governo informado do esquema operacional que o operador privado pretende pôr em prática para garantir o funcionamento do sistema de transporte público de passageiros entre a Estação de Foz Tua - Mirandela, e, designadamente, como será assegurado o financiamento do Sistema de Mobilidade do Tua (SMT) e quais os custos a suportar pelos passageiros do sistema?

7. Está o Ministério disponível para publicar todos os pareceres de todas as entidades públicas consultadas no âmbito desta decisão de desclassificação da linha ferroviária do Tua? 

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