FMI e o Estado de Exepção! |
É disparatada, quanto a mim, a teimosia dos média em estabelecer comparações económicas e sociológicas com aquilo que aconteceu ao país em 1983, aquando da última intervenção externa do FMI, pois não me parece razoável comparar o Portugal de então com aquele que hoje somos. Também não me preocupa serem “outros” a fazer aquilo que “nós” não soubemos fazer. Aquilo que me preocupa é saber como poderão sobreviver os portugueses à pressão deste torniquete transnacional, que transforma os indivíduos em números e, por isso, insensível é aos seus problemas e às suas condições de vida. Nesta lógica, não importará até quando e até onde nos vão retorcer para conseguirem aquilo que já há muito procuram.
Convém não esquecer que se aqui chegamos é porque fizemos determinado caminho. Caminho esse que percorremos, alegres e sorridentes, mas ignorantes do verdadeiro sentido e objectivo daqueles que nos conduziam por aí. Não terá sido por falta de avisos e alertas de alguns eminentes especialistas, entretanto enxovalhados na praça pública e mediática, nem por falta de democracia que os portugueses teimaram em eleger os mesmos de sempre para nos governar. Tal como alguns afirmam, teremos aquilo que merecemos, mas não sejamos inocentes, pois não esteve propriamente nas mãos e nos votos dos portugueses a possibilidade de arrepiar caminho e escolher outro destino que não este. Senão vejamos: A escalada globalizante acompanhou a apropriação da palavra “globalização”, que, supostamente, deveria explicar a dialéctica fragmentação/globalização. Esta palavra veio directamente das teorias japonesas da gestão pós-fordista e, inicialmente, começa por ser utilizada pelos especialistas de marketing para designar a segmentação dos públicos-alvo ou a divisão de grandes segmentos transfronteiriços de comunidades de consumidores com os mesmos sócio-estilos, os mesmos modelos de consumo. Foram os “evangelistas do mercado” e os think tanks neoliberais, tais como o Adam Smith Institute, em Inglaterra, cujo objectivo consistiu em desenvolver uma reflexão capaz de pesar sobre as políticas públicas, quem concorreram explicitamente para o sucesso da sociedade prometida pela “revolução neoliberal”, projecto de uma nova ordem em que o mercado se torna o principal árbitro de todas as transacções, quem trouxeram para primeiro plano um fascínio vanguardista pela figura do consumidor, relegando para planos inferiores a figura do cidadão. A doutrina do livre-câmbio da “soberania absoluta do consumidor” reconheceu-se no perfil de um telespectador que se tornou autónomo graças ao seu poder intangível de determinar o sentido dos programas.
A marginalização do cidadão pelo consumidor realizou-se à custa da interrogação sobre os agentes de produção, o mercado, o Estado e a decomposição/recomposição do Estado-Nação, mas também sobre o novo estatuto do consumo, cada vez mais integrado nas matrizes industriais do pós-fordismo. O consumo torna-se ele próprio em produção de informações para o produtor. A relevância que irá ser gradualmente atribuída ao termo “sociedade civil” exprime, igualmente, essa necessidade de uma “caixa-negra”, tapa-misérias de um vazio de problematizações. Mistificada como espaço liberto da diversidade, da pluralização das identidades fragmentadas, esta sociedade civil surge como antítese do Estado-Nação. Este culto da sociedade civil deslegitimou o próprio princípio de políticas públicas.
Não posso terminar sem antes referir o ridículo que esta infeliz situação significa para todos aqueles que nos têm governado nas últimas décadas. É soberba a incompetência e é também magnífica a desresponsabilização desses ilustres intervenientes. E engraçado seria, se não demasiado triste e vergonhoso, todos eles não perderem a face e, qual imaculadas, apresentarem-se sempre impolutos e como fazendo parte da solução
|