O
Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico
(PNBEPH) prevê a construção de dez novas grandes barragens nos
próximos anos.
A
energia hídrica faz parte das fontes renováveis que devem ser
activamente consideradas no âmbito de uma política energética
favorável a reduzir o uso de combustíveis fósseis, a dependência
energética do exterior e as emissões de gases de efeito de estufa
(GEE). Por isso, consideramos importante a existência de estudos
sobre esta matéria, os quais devem conter fundamentos de apoio à
decisão de construir ou não novas barragens.
Sabemos
que os empreendimentos hidroeléctricos, em especial os de grande
potência, têm impactes sobre a qualidade das águas, a
biodiversidade e o transporte de sedimentos que alimentam as praias
do litoral, assim como sobre a vida das populações onde incidem.
Por isso, estes estudos devem avaliar correctamente os custos
ambientais e socioeconómicos da construção de novas barragens,
como ponderar as alternativas energéticas que melhor concretizam os
objectivos da política de energia e combate às alterações
climáticas, nomeadamente em termos de custo-eficiência.
Ora,
o que se verifica com o PNBEPH é o falhanço absoluto nestes
critérios fundamentais para a tomada de decisões responsáveis.
O
estudo encomendado pela Comissão Europeia para avaliar a Avaliação
Ambiental Estratégica (AAE) que deu origem ao PNBEPH confirma esta
nota negativa. As suas conclusões são claras, referido que o Plano
apresenta "lacunas
graves"
e não faz a "comparação
adequada"
entre os benefícios da construção das barragens e os seus custos
ambientais, sobrevalorizando os primeiros.
Uma
das consequências mais graves apontadas neste estudo é o risco de
Portugal não conseguir cumprir os requisitos para a qualidade dos
recursos hídricos, conforme o compromisso assumido no âmbito da
Directiva Quadro da Água (DQA) até 2015.
São
também referidos vários impactes negativos sobre ecossistemas
sensíveis, inclusive com a afectação de espécies ameaçadas e
habitats prioritários pertencentes à Rede Natura 2000. A avaliação
dos impactes do PNBEPH sobre o meio aquático é considerada de
"muito
pobre".
Aponta-se
como debilidades sérias a ausência do estudo dos impactes
cumulativos ao nível de cada bacia hidrográfica ou o efeito das
alterações climáticas sobre a disponibilidade hídrica, o que
afectará a qualidade das águas e a capacidade de produção
eléctrica dos empreendimentos.
Considerando
que seis das novas barragens se vão situar na bacia hidrográfica do
Douro, cinco das quais na sub-bacia do Tâmega, onde a presença de
barragens é já significativa e a poluição das massas de água
muito grave, torna-se fundamental estudar estes efeitos cumulativos.
O
fenómeno das alterações climáticas também não é de
desvalorizar, como indica o relatório, já que as previsões estimam
uma redução da disponibilidade dos recursos hídricos de tal ordem
que implicariam uma redução da produção eléctrica até 55% para
garantir a manutenção de caudais mínimos e a boa qualidade das
águas. Esta é uma das razões pelas quais o relatório considera
que o contributo energético do PNBEPH está claramente
sobreavaliado, o que poderá colocar mesmo em causa a viabilidade
económica de algumas das novas barragens previstas.
Relativamente
ao contributo do PNBEPH para se atingirem as metas energéticas e de
redução das emissões de GEE, note-se que a sua concretização irá
representar apenas 3% do consumo de energia e 1% da redução das
emissões. Quando Portugal desperdiça cerca de 60% da energia que
consome, parte importante da qual poderia ser facilmente poupada com
taxas de retorno muito elevadas no curto prazo, como continua a
apresentar taxas de crescimento do consumo energético muito
elevadas, torna-se claro que esse contributo será ainda mais
residual (no período de 2000 a 2005, a taxa de crescimento anual
para o consumo de energia primária situou-se nos 6,8% e para o
consumo final de energia nos 12%).
O
Bloco de Esquerda considera que o PNBEPH deve ser reavaliado, dado
existirem erros graves na sua concepção, como bem aponta o
relatório europeu.
O
erro das barragens de Foz Tua e Fridão
Igualmente,
é fundamentar excluir as barragens de Foz Tua e de Fridão do
PNBEPH, uma vez que apresentam consequências muito negativas para as
populações afectadas e sobre os ecossistemas em que incidem, já
parcialmente apontadas na própria AAE. Considerando o avanço dos
projectos em causa, a primeira com Declaração de Impacte Ambiental
aprovada e a segunda em processo de consulta pública do Estudo de
Impacte Ambiental, é urgente proceder a esta decisão.
A
barragem do Foz Tua irá afectar uma zona que tem condições
paisagísticas singulares, incluída na lista de Património da
Humanidade da Unesco. A sua construção vai inviabilizar a linha de
caminho de ferro do Tua, já considerada uma das mais belas da Europa
e que todos os anos atrai inúmeros turistas e visitantes a esta
região do interior. A submersão de parte relevante da linha do Tua
pela barragem significará a perda de uma obra de engenharia
relevante com cerca de 120 anos, um importante património cultural
que deveria ser preservado, de um elemento potenciador do
desenvolvimento económico e do emprego, mas também de um importante
meio de transporte das populações, uma vez que é um dos principais
eixos de ligação da região transmontana e desta ao litoral. A
barragem vai também inundar áreas agrícolas importantes,
nomeadamente de vinhas inseridas na Região Demarcada do Douro e de
olivais, como afectar vários habitats protegidos.
O
aproveitamento hidroeléctrico de Fridão irá situar-se a 6 km a
montante da cidade de Amarante, cujo núcleo urbano está implantado
desde a cota 62,5 e situa-se no limiar da albufeira da barragem do
Torrão (cota 62), a jusante da cidade. Ou seja, a cidade de Amarante
ficará entre duas albufeiras, a jusante (Torrão) e a montante
(Fridão), situando-se a uma cota bastante inferior à albufeira da
Barragem de Fridão (160) e a uma pequena distância (6 km), o que
coloca questões sobre a segurança de pessoas e bens. Refira-se que
o PNBEPH indica que o "aproveitamento
de Fridão induzirá um risco de rotura médio".
As
condições ambientais, paisagísticas e patrimoniais que constituem
a imagem de referência da cidade iriam perder o seu equilíbrio e
harmonia naturais, uma vez que vão estar sujeitas às necessidades
de aprovisionamento e gestão regular das albufeiras e à intensa
artificialização em «cascata» do rio Tâmega. Além disso, a
albufeira de Fridão irá contribuir para o agravamento da degradação
já evidente da qualidade da água do rio Tâmega, tal como aconteceu
na albufeira do Torrão, devido à intensificação dos inevitáveis
fenómenos de eutrofização, conduzindo a uma degradação acentuada
da qualidade de vida dos amarantinos.
A
privatização dos recursos hídricos
Nesta
discussão é também preciso não esquecer que o Plano Nacional de
Barragens encobre a privatização dos recursos hídricos. As
infra-estruturas, albufeiras e margens estarão entregues aos
privados por períodos de 65 a 75 anos. Ou seja, importantes
reservatórios de água que poderão ser utilizados para combate a
situações de secas severas, abastecimento humano ou rega, estarão
sujeitas às regras dos privados, nomeadamente em termos das tarifas
praticadas. A mesma lógica se aplica ao desenvolvimento de
actividades turísticas e de lazer.
O
Governo já procedeu à adjudicação provisória de 8 barragens do
PNBEPH, contabilizando 624 milhões de euros em receitas
extraordinárias que contribuíram para conter o défice orçamental
de 2008 nos limites impostos pela pelo Pacto de Estabilidade de
Crescimento (PEC), mesmo com o truque de parte significativa deste
valor ter sido concretizado apenas no ano de 2009.
Esta
é uma das razões que justifica a teimosia e a pressa do Governo
Sócrates em avançar com estas barragens, mesmo que pouco
fundamentadas pelos estudos. O seu peso nas receitas extraordinárias,
em conjunto com o encaixe de 759 milhões de euros pelo alargamento
do prazo das barragens já concessionadas, foi o que permitiu enganar
as contas públicas. Esta não pode ser a justificação para o
avanço destes grandes empreendimentos, cuja decisão deve
fundamentar-se em critérios objectivos e pelo estudo aprofundamento
dos custos ambientais e alternativas energéticas.
Rita
Calvário
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