O Movimento Cívico pela Linha do Tua mandou no dia 2 de Abril uma carta
aberta ao Ministro das Olbras Públicas, Transportes e Comunicações: "A
calamitosa política de transporte seguida para as Vias Estreitas (VE)
do Douro nas últimas três décadas atingiu o ponto de ruptura. A falácia
do prejuízo nestas vias-férreas, mesmo tratando-se de um serviço
público a manter para bem da solidariedade e coesão social, e malgrado
a forma danosa como têm sido administradas, esquece convenientemente os
desastres financeiros da Carris e dos Metros do Porto e de Lisboa,
averbando respectivamente prejuízos crescentes na ordem dos 18, 150 e
160 milhões de euros, suportados por todos os portugueses, do Litoral
ao Interior e Ilhas.
O fundamentalismo do alcatrão culminou na imobilização de todo o
país em Junho de 2008, face à dependência do petróleo e da rodovia,
assistindo-se a uma escassez de víveres preocupante numa questão de
dias, enquanto apenas 3% das mercadorias é transportada por via
ferroviária. O favorável panorama petrolífero actual é passageiro, e
será agravado pela imposição das chamadas taxas ecológicas, com
impactes muito pesados para o transporte rodoviário de mercadorias. A
terrível dependência energética de Portugal sobressai no sector dos
transportes, responsável por mais de metade deste bolo de poluição e
ineficiência, que em nada será aplacado pela construção de barragens.
Ainda assim, assiste-se à construção mediatizada de mais e mais
auto-estradas, mormente no Litoral, em investimentos de milhares de
milhões de euros, enquanto o investimento nos caminhos-de-ferro atinge
o seu valor mais baixo em 13 anos (250 milhões de euros), numa queda
que com o actual Governo acelerou notavelmente. De facto, apenas a
Grande Lisboa e o Grande Porto reúnem tanto investimento em estradas
num ano como o país inteiro em caminhos-de-ferro em quatro.
Mas a gravidade da situação das VE do Douro, estropiadas e
asfixiadas desde há 30 anos, não se podia ter tornado mais visível do
que agora. Recorde-se que também na década de 1990 se garantiram
suspensões temporárias por motivos de segurança, e foram prometidas
alternativas que mais não se comprovaram do que fraudes e traições
políticas; não houve estrada ou autocarro que tivesse substituído
condignamente o comboio, agravando de forma ruinosa a desertificação de
Trás-os-Montes e Alto Douro. É inqualificável que se tenha deixado a
infra-estrutura destas vias chegar a um ponto em que para serem
renovadas seja necessário o seu encerramento integral. Questionamos
sobretudo: se não tivesse sido pelo clima de suspeição sobre o estado
de conservação das VE do Douro, lançado em Agosto com o acidente da
Brunheda na Linha do Tua, saber-se-ia o que se sabe agora sobre as
supostas falhas graves identificadas nas Linhas do Tâmega e do Corgo?
Outra conclusão não se pode estabelecer senão a de que se tem
jogado com a vida de milhares de utentes das Linhas do Tua, Corgo e
Tâmega, ao se permitir que a infra-estrutura ferroviária atingisse ou
mesmo ultrapassasse o ponto de ruptura. Ou a situação actual se
justifica, lançando sobre a tutela uma inequívoca acusação de
incompetência, negligência e má-fé na gestão, ou então não se
justifica, e suportam-na razões que devem ser esclarecidas. A ligeireza
com que o volume de investimento foi prontamente apresentado é
igualmente alarmante: como é que se pode demorar tão pouco a encerrar,
e ao mesmo tempo a anunciar o valor duma empreitada, que afinal só
começará, por razões ainda não esclarecidas, daqui a 4 meses?
Este número levanta outras questões igualmente preocupantes; em
Espanha, um organismo ferroviário adstrito apenas à VE reabriu
integralmente em 2003 uma linha com 340km de extensão (o mesmo
comprimento que a Linha do Norte) com um custo de 123.500 euros/km –
encerrada em 1991 por questões de segurança, tal como a Linha do Tua.
Seria o equivalente em Portugal a reabrir ao mesmo tempo as Linhas do
Tâmega, do Corgo, do Tua, do Sabor e do Douro, sobrando ainda 20km.
Como se justifica então que em Portugal a renovação destas vias venha a
custar perto de um milhão euros/km? Esta diferença abismal de valor tem
de ser necessariamente detalhada: vai haver correcção de traçado; vão
ser aumentadas as velocidades máximas de 30km/h; vão ser instaladas
travessas em betão, soldados os carris e fixados de forma elástica
(garantindo maior durabilidade, conforto e segurança); vão ser
suprimidas ou automatizadas passagens-de-nível; vai ser instalada
sinalização luminosa e automática; vão ser instalados dispositivos de
prevenção e alerta de via intransitável? Os prazos de execução das
obras constituem outro facto impressionante. Basta pensar que avançarão
a cerca de 500 metros/mês no Tâmega, quando por exemplo a construção da
Linha do Tua, a maior e mais intrépida das VE do Douro, fez-se a um
ritmo de 1,5km/mês entre o Tua e Mirandela, e a 2km/mês entre Mirandela
e Bragança, e isto com os meios técnicos de há 120 e 100 anos atrás,
respectivamente. Ao ritmo das obras no Tâmega, a Linha do Tua teria
demorado, em vez de 6 anos, algo como 22 anos a ser concluída!
Outra questão deve ser discutida nesta mesma data: a proliferação
“just because” de ciclovias. Exemplificando com o caso da ciclovia na
Linha do Sabor, este é um equipamento que simplesmente incinera 125.000
euros/km (mais caro que reabrir uma linha), fora a renda de 10.000
euros paga pela autarquia de Moncorvo todos os anos, naquilo que é um
caminho de terra batida num traçado já existente e equipado de forma
paupérrima. Com fraca utilização, a atracção de turistas é nula, tal
como a geração de desenvolvimento e bem-estar. É isto que se pretende
para o Corgo, que atravessa a zona termal e vitivinícola mais
reconhecida de Portugal, e desagua na única plataforma logística
nacional sem caminho-de-ferro, Chaves? E para o Tâmega, às portas do
Porto, possuidora de uma riqueza cultural e paisagística só comparáveis
aos mais fracos índices de qualidade de vida nacionais que regista?
Exige a inteligência e bom senso que estes projectos, em linhas
cuja reabertura já foi proposta por dois particulares para exploração
turística e regional e negada liminarmente pelas autarquias locais
contra a vontade do povo, sejam abandonados, antes que a sangria de
verbas e oportunidades de emprego e desenvolvimento sejam por estes
agravados. Em contrapartida, uma vez que finalmente a tutela se dispõe
a modernizar estas vias, este planeamento deverá, a partir de agora,
incluir a reabertura integral das mesmas, aproveitando a presença no
terreno dos meios necessários. É uma oportunidade soberana de se
emendar um erro que no país vizinho já foi reconhecido e está a ser
corrigido.
No caso particular da Linha do Tua, é inaceitável que a
REFER/tutela justifiquem a não reabertura dentro do prazo estabelecido,
que terminou a 31 de Março último, pela necessidade de espera por uma
decisão sobre a barragem do Tua. Estamos perante outro caso de má-fé
que já ultrapassou todos os limites da razoabilidade. A posição da
tutela é clara: "É uma linha que tem objectivos e que pode ser
utilizada em benefício do turismo e das populações, portanto a nossa
intenção é continuar com a linha", palavras do Ministro Mário Lino em
Outubro de 2008.
O Estudo de Impacte Ambiental da barragem do Tua é explícito: “A
área de influência revela-se uma área mal servida ao nível dos serviços
mais procurados: esta situação agrava-se com as fracas acessibilidades
e escassez de oferta de transporte público; a identificação e avaliação
dos impactes (da barragem) ao nível da socioeconomia evidenciaram
impactes muito negativos ao nível da economia local, em particular para
a agricultura e agro-indústria, com repercussões também muito negativas
ao nível do emprego e dos movimentos e estrutura da população”.
Também parece haver uma desadequação face às obrigações impostas
pelo Direito Comunitário, principalmente pelo Regulamento n.º 1698/2005
do Conselho, que visa, com o apoio ao desenvolvimento rural dado pelo
FEADER, o crescimento da economia rural através de medidas para
diversificação. Com a destruição do Vale e da Linha do Tua, quaisquer
auxílios concedidos neste âmbito serão subaproveitados. Não é demais
recordar que o mesmo é dirigido à prossecução do aumento da
competitividade da agricultura e da silvicultura, da melhoria do
ambiente e da paisagem rural, promoção da qualidade de vida nas zonas
rurais e diversificação das actividades económicas. De acordo com a tão
aclamada Estratégia de Lisboa, a melhoria da competitividade agrícola é
o pilar fundamental do desenvolvimento rural. Que competitividade terão
produtos que perdem terrenos e que perdem oportunidades de menores
custos de transporte, como o próprio Vinho do Porto e o Azeite da Terra
Quente Trasmontana?
Mais grave é o facto de o PNPOT – Programa Nacional da Política de
Ordenamento do Território, documento máximo a nível nacional neste
âmbito, demonstrar que a zona onde se quer construir esta barragem se
encontra em “perigo de movimento de massas” e “troço de influência de
ruptura de barragem”! A loucura e imponderabilidade desta obra nefasta
ultrapassa tudo, até mesmo o respeito pela vida humana de toda a
população a jusante. O desastre da barragem de Valjont em Itália matou
2.000 pessoas, quando deslizamentos de terra causaram uma onda
imparável de destruição; no entanto, zonas altamente sísmicas como o
Japão possuem das redes ferroviárias mais avançadas do mundo, o que diz
muito sobre o que está em causa no Tua.
A mentira da necessidade desta barragem é apenas comparável ao
tamanho do seu paredão: por 1/3 do seu custo, consegue-se o equivalente
a 75% da sua potência, através do reforço da barragem do Picote, e o
mesmo que 3 barragens do Tua se juntarmos os reforços que serão
realizados no Picote, Bemposta e Alqueva. O correcto aproveitamento da
energia solar já foi calculado como potenciador de uma redução de
consumo de electricidade de 20%, muito superior ao ridículo ganho de 3%
apresentado por todo o monstruoso pacote de 10 novas barragens!
De igual forma, António Mexia não tem razões para não construir uma
alternativa ferroviária. Omite convenientemente dois factos: o caderno
de encargos prevê a substituição de vias com a mesma valência – desde
quando é que uma estrada tem a mesma valência que um caminho-de-ferro,
demais a mais sendo a Linha do Tua o que é e as estradas da zona o que
são; a EDP teve de pagar, aquando da construção da Barragem da Valeira
no Douro, uma estação nova na Ferradosa, uma nova ponte sobre o Douro,
e cerca de 1,5km de via-férrea nova para a Linha do Douro. Existe o
precedente, existe um caderno de encargos que está a ser mal
interpretado, e mesmo que este erro estratégico da barragem do Tua
avance, a destruição de parte da paisagem do vale não é desculpa para
obliterar para sempre a Linha do Tua, uma vez que a necessidade de
transporte público se mantém, com todas as oportunidades a montante e a
jusante.
De igual forma, relembramos o facto de Bragança ter em 2012 o
comboio de alta velocidade a apenas 30km de distância, na Puebla de
Sanábria, constituindo a par do alargamento do aeroporto de Bragança
uma oportunidade única de atractividade para turistas e mobilidade para
pessoas e mercadorias. Isto quando a tutela já confirmou que não
existem contactos com Espanha para a execução de novas ligações
rodoviárias nesta zona. Note-se que o Turismo é um produto compósito:
não há sucesso quando um dos elementos falta, e o elemento em falta no
Nordeste Trasmontano e no Douro é precisamente a fraquíssima oferta de
transportes aí existente.
Afinal, que interesses é que existem em se destruir o Vale e a
Linha do Tua, quando está mais que provado e suportado por documentos
legais e especialistas de todos os sectores que a barragem será um
desastre para a região e para o país? Exigimos de uma vez por todas:
- Respeito pelas populações e utentes, privadas dos seus direitos inalienáveis de mobilidade e solidariedade social.
- Apresentação de um plano de modernização, reabertura total e
alargamento da Linha do Tua a Espanha, depois da realização de 2
estudos profundos em 7 anos, e 17 meses de suspensão de circulações,
mais que o suficiente para se ter apresentado e se ter começado a
executar alterações profundas.
- Responsabilização pelos 4 acidentes e respectivas vítimas, pelo
estado de conservação grosseiro da via, e pelos prejuízos causados ao
Metro de Mirandela e tecido comercial da zona, que tem perdido um
preocupante volume de receitas geradas pelas dezenas de milhares de
turistas que deixaram de viajar na Linha do Tua.
Desta forma, o MCLT solicita aos Exmos. Srs. Ministro e Secretária
de Estado o esclarecimento honesto destas questões que têm vindo a
ameaçar o bom funcionamento da Democracia e da coesão social em
Trás-os-Montes e Alto Douro, e apresentem um plano de intervenções com
o rigor que a este nível se exige.
Movimento Cívico pela Linha do Tua, 2 de Abril de 2009"
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